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Além da Fita Métrica: A Medida do Cuidado que Não se Vê

A obesidade é uma condição complexa e multifacetada, caracterizada pelo excesso de gordura corporal e impulsionada por uma diversidade de fatores. Muito além de escolhas individuais, como sedentarismo ou hábitos alimentares, ela envolve predisposições genéticas, influência da microbiota intestinal, nutrição materna durante a gestação, metabolismo e até elementos ambientais, como a poluição do ar. Suas consequências à saúde são amplas, podendo incluir doenças respiratórias, dores articulares, hipertensão e outras enfermidades crônicas.


Recentemente, as telas brasileiras foram tomadas pela campanha “A Medida do Abraço. O cuidado que pode salvar o seu coração”, que chama a atenção para a circunferência abdominal como indicador de risco: até 88 cm para mulheres e 102 cm para homens. Medidas acima desses limites podem sinalizar acúmulo excessivo de gordura e, por consequência, maior propensão a doenças relacionadas ao sobrepeso.


À primeira vista, a campanha parece apenas informativa e preventiva. Contudo, uma análise mais cuidadosa revela um aspecto controverso: a iniciativa não parte de órgãos públicos de saúde ou entidades independentes, mas da gigante farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, medicamento desenvolvido para o tratamento do diabetes tipo 2 e, mais recentemente, aprovado pela Anvisa para o tratamento da obesidade.


No primeiro trimestre de 2024, a empresa lucrou cerca de R$ 18,9 milhões apenas com a comercialização do Ozempic. A ascensão da Novo Nordisk ao posto de empresa mais valiosa da Europa está, em grande parte, atrelada à explosão de vendas desse medicamento. Assim, a campanha “A Medida do Abraço” levanta uma questão delicada: trata-se, de fato, de uma ação de conscientização em saúde pública ou de uma estratégia de marketing disfarçada para expandir o consumo do fármaco?

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Campanhas de prevenção são fundamentais para informar a população sobre os riscos do excesso de peso e incentivar hábitos saudáveis. No entanto, quando há interesse comercial direto na pauta, emerge um claro conflito de interesses. A mensagem, por mais bem elaborada e emocionalmente apelativa, pode orientar sutilmente a opinião pública para uma solução medicamentosa, eclipsando alternativas igualmente importantes, como o acompanhamento nutricional, psicológico e mudanças sustentáveis no estilo de vida.


Focar exclusivamente em métricas, como a medida da cintura, pode transmitir a ideia de que quem ultrapassa tais valores precisa, necessariamente, de intervenção farmacológica, desconsiderando a singularidade de cada corpo, de cada história, de cada jornada de saúde.


A obesidade é, sem dúvida, uma condição que requer atenção médica e cuidado contínuo. Mas ela não pode ser tratada apenas com números ou soluções rápidas. A verdadeira saúde deve ser promovida de forma integral, empática e respeitosa, sem estigmas, sem reducionismos, e muito menos guiada por interesses mercadológicos.


A fita métrica pode abraçar a cintura, mas não mede o afeto, o acolhimento, o cuidado integral e a complexidade do ser humano. A “medida do abraço” mais importante é aquela que reconhece a pessoa como um todo, e não apenas como um alvo de consumo ou um corpo a ser corrigido.





 
 
 

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